Câmara aprova uso da musicoterapia como tratamento no SUS

Proposta inclui atendimento a crianças com autismo e ações no Programa Saúde na Escola; retirada da exigência de formação específica preocupa profissionais da área

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta semana, o Projeto de Lei 6379/19, que reconhece a musicoterapia como recurso terapêutico complementar na área da saúde. A técnica deverá ser incorporada por equipes multiprofissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), com especial atenção para o atendimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e no Programa Saúde na Escola. A proposta segue agora para o Senado.

O projeto insere a musicoterapia como prática integrativa e complementar, aproximando-a de outras terapias já adotadas na rede pública, como a acupuntura e a homeopatia. Para as pessoas defensoras da medida, o uso da música como ferramenta terapêutica pode contribuir significativamente para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social de diversos públicos, especialmente crianças com TEA.

“É imprescindível que essa atuação esteja ancorada em formação qualificada”, diz diretor-geral da Faculdades EST

Apesar do avanço no reconhecimento da musicoterapia, o texto aprovado causou apreensão entre profissionais da área. A versão final retirou a exigência de formação específica em musicoterapia, antes prevista como graduação ou pós-graduação, e também eliminou a obrigatoriedade de registro em entidade de classe para atuar na área.

Para o diretor-geral da Faculdades EST, professor doutor Valério Guilherme Schaper, a decisão representa uma conquista parcial. “O reconhecimento da musicoterapia como prática integrativa no SUS é um passo relevante para ampliar o acesso ao cuidado por meio da arte. No entanto, é imprescindível que essa atuação esteja ancorada em formação qualificada, com responsabilidade ética e técnica, para que se garanta o melhor atendimento à população”, afirmou.

A coordenadora do Bacharelado em Musicoterapia da Faculdades EST, Maryléa Elizabeth Ramos Vargas, também alerta para os riscos da flexibilização. “Nada mais importante do que ser uma pessoa musicoterapeuta formada, graduada, qualificada para poder dar conta das demandas clínicas. Autorizar a atuação de pessoas não qualificadas para tanto é não dar a devida atenção à condição dos e das pacientes. É dizer: qualquer um pode atender aquela demanda, e não é por aí”, afirma.

Maryléa destaca que a prática da musicoterapia exige conhecimentos técnicos, teóricos e éticos, além de sensibilidade e preparo emocional para o trabalho com diferentes públicos. “A pessoa profissional deve apresentar uma formação sólida, humana, respeitando padrões de qualidade, normas culturais, éticas e bioéticas, além de uma sólida formação musical. Ela precisa estar preparada para atuar em equipe e manter diálogo com outros e outras profissionais da saúde e com as famílias.”

Para a professora, a nova redação da lei banaliza uma prática reconhecida e regulamentada. “Essa aprovação ressalta o quanto é necessária a presença da musicoterapia nos contextos de saúde e educação. Mas abrir espaço para qualquer equipe multidisciplinar aplicar a técnica, sem garantir a qualificação de quem aplica, é absolutamente incorreto — como em qualquer outra área.”

Ela também lembrou que a profissão foi regulamentada pela Lei nº 14.842/24, e que as pessoas profissionais que ingressaram por meio de cursos de pós-graduação devem concluir sua formação até 11 de abril de 2026, conforme determina a legislação.

Debate deve continuar no Senado

O projeto ainda será analisado pelo Senado, o que abre margem para ajustes e mobilização da categoria profissional. A expectativa de especialistas é que o texto possa retomar a exigência de formação específica, garantindo segurança jurídica e técnica aos usuários do SUS.

Maryléa reforça que a União Brasileira das Associações de Musicoterapia (Ubam), instância representativa da categoria, acompanha os desdobramentos do projeto, assim como a Associação de Musicoterapia do Rio Grande do Sul (AMT-RS). “A partir de agora, abre-se mais espaço para discussões sobre a importância da musicoterapia e da formação sólida que é requisitada. A aprovação desta lei, além de banalizar a musicoterapia, denuncia um total desconhecimento sobre os necessários requisitos para sua prática.